Recentemente, em um trabalho realizado com uma empresa, fui atravessada por uma pergunta essencial que norteou toda a experiência:
Como ajudar no desenvolvimento de uma nova liderança?
Enquanto muitas organizações ainda operam com modelos de comando e controle, heranças de um passado funcional e hierárquico, o presente pulsa com a chegada de novas gerações que pedem conexão, escuta, autenticidade. O mundo corporativo já não comporta mais lideranças que operam apenas por eficiência. Ele clama por líderes que saibam atravessar o invisível, com coragem, clareza, cuidado e convicção.
O desafio é imenso: líderes sobrecarregados, pressionados por resultados, convocados a zelar pela saúde mental de suas equipes. Mas quem cuida desses líderes? Onde repousam suas dores e suas dúvidas? Como eles sustentam, no meio da pressa, o fio tênue da humanidade?
RILKE E A LIDERANÇA COMO ESCAVAÇÃO INTERIOR
Inspirada por Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke, propus um deslocamento:
o líder como um artista da escuta, um escultor de atmosferas, um criador de espaço relacional.
Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o leva a liderar. Pergunte-se na hora mais tranquila da noite: Sou forçado a isso? E, se for afirmativo, então construa sua vida de acordo com essa necessidade.
– Rilke
Essa é a liderança transformacional que acredito e proponho: aquela que se sustenta não no saber pronto, mas na intimidade com o não saber. Que encontra potência na dúvida e beleza na incerteza. Que vive as perguntas — em vez de exigir respostas automáticas.
PACIÊNCIA, SOLIDÃO E O TEMPO DA OBRA
Neste processo de desenvolvimento de liderança, faço uma substituição radical: deixo de lado a lógica do resultado imediato e trago à tona a valorização do respeito ao processo.
Ao contrário da produtividade linear, acredito que a verdadeira inovação emerge da pausa, da escuta, do vazio fértil — e muitas vezes da solidão criativa.
“Hoje, neste espaço, é a única vez em sua jornada corporativa em que não será pedido resultado. Apenas presença, paciência e um profundo respeito pelo processo.”
A solidão, como nos lembra Rilke, não é isolamento. É um laboratório do invisível. Um território onde surgem imagens, insights, visões. É neste lugar que o líder reencontra sua força criativa.
O LÍDER COMO OBRA E COMO ARTISTA
Cada líder é uma obra em construção — imperfeita, única, sensível às marcas do tempo.
Não se trata de representar o lugar que ocupa, mas de ser o próprio lugar.
“Nossas obras não representam o lugar. Elas são o próprio lugar.”
A liderança que proponho é também uma relação com a materialidade da vida. Com os afetos, as texturas do tempo, a fluidez do ar. Não há como separar o líder da natureza. O corpo sente, o coração escuta, a alma conecta.
As obras — assim como os líderes — ganham volume quando aceitam sua imperfeição. Quando acolhem a diferença como potência. Quando assumem a própria temporalidade, sem se dobrarem à pressa do mercado.
“As diferenças é que fazem o mundo interessante, e não as semelhanças.”
“O que nos individualiza é nossa relação com o tempo.”
UM CAMINHO DE VOLTA AO HUMANO
Este processo artístico de desenvolvimento de liderança propõe um deslocamento poético e estratégico:
- Da ansiedade pelo controle, para a confiança no fluxo.
- Da reação automática, para a presença responsiva.
- Da imposição, para a orquestração relacional.
É preciso furar a normalidade. Reencantar o cotidiano. Reprojetar o ser-líder a partir da escuta profunda, da introspecção e da coragem de imaginar novos mundos.
PERGUNTAS POÉTICAS PARA LIDERAR O PRESENTE
- Que escolhas conscientes você está fazendo hoje?
- Quais foram suas surpresas no caminho?
- Que obra você deseja deixar como legado?
- Como você quer ser lembrado?
- Pela performance ou pela presença?
Desenvolver líderes, para mim, é criar espaços vivos de escuta, criação e vínculo.
É plantar um futuro onde cada ser humano possa ser — em sua inteireza — uma obra de arte em movimento.
Com muito carinho profundo
Helena Kavaliunas